Vozes Ancestrais – A importância da tradição (Parte Três)

Muito se foi falado até aqui acerca da importância que a tradição possui em qualquer civilização. Também foi mencionado o seu papel no revigorar espiritual e moral de um povo. Porém, em época de Copa do Mundo, é de todo oportuno falar acerca da tradição de nosso solo pátrio.
Engana-se quem pensa que o Brasil, devido a toda sua miscigenação, carece de riqueza nesse aspecto, porque ao contrário, sua história nos faz recordar o oposto.
Vale lembrar que nossa história não começara em 1500, mas sim bem antes, com os templários e com D. Afonso Henriques, nos episódios da reconquista e com a fundação de Portugal [1], pois a nossa história confunde-se com a desse país, uma vez que são nações igualmente constituídas, separadas apenas politicamente. [2].

Esta, por sua vez, rompeu com uma tradição então vivente, fazendo nascer uma outra, após o episódio da independência. Neste momento, deixando de ser parte do território português, nossa história a partir dali separou-se da pertencente aquele povo.
Isso, porém, não haverá de apagar séculos de compartilhamento cultural entre portugueses e indígenas. Diferentemente do que houve em outras colônias, no Brasil aconteceu algo impensável para outros povos europeus que não o português, isto é, a união com o conquistado, assimilando-o. É possível perceber esse aspecto, talvez o que mais tenha herdado de Roma, através do papel incessante dos jesuítas em difundirem a língua oficial do Brasil, assim como a religião oficial de Portugal à época. [3]
A segunda proposta de uma estátua no topo da montanha foi feita em 1920, pelo Círculo Católico do Rio de Janeiro. As doações vieram principalmente de católicos brasileiros. O engenheiro local Heitor da Silva Costa projetou a estátua, que foi esculpida por Paul Landowski, um escultor franco-polonês enquanto o rosto da estátua foi criado pelo escultor Gheorghe Leonida, que nasceu em Galati, na Romênia, em 1893.
Ambas são de suma importância para a identidade do povo, sendo pilares imprescindíveis para a sua identidade. É possível perceber que, em meio a tantas divergências, a língua ainda é capaz de unificar povos essencialmente diferentes, porém espiritualmente iguais, unidos – também -, sob uma língua comum.
A importância da língua comum para um povo é tão absurdamente colossal que, a priori, após a recém unificação do Estado italiano, fora imposta aos povos que ali viviam, a fim de unificá-los sob a mesma bandeira.
Mesmo em países com uma variedade de línguas, ainda assim se mostra a necessidade de um idioma comum, capaz de fazer entender a todos, ou ao menos a maioria, cuja finalidade será sempre evitar um caos.
E tudo isto foi até aqui falado apenas para demonstrar o mérito dos jesuítas. Outro grupo, contudo, foi responsável por dar continuidade ao trabalho expansionista romano. Refiro-me aos bandeirantes.
Engana-se quem pensa que a glória dos bandeirantes abrange somente a região do Centro-Sul. Na verdade, ela vai muito além dessas fronteiras, chegando até mesmo aos Estados do Nordeste. [4] Glória esta que é representada, por exemplo, por desbravadores que sofreram com a aspereza de uma das regiões mais inóspitas do mundo, como quem já profetizava as rudezas que a tal terra exige até hoje para a sobrevivência.
Refiro-me a homens como Pero Coelho de Souza e Martim Soares Moreno, no Ceará, entre outros que se imortalizaram em epopeias de bravura e lamentos.
O primeiro, “descobridor do Ceará” e apelidado pelos índios cearenses de “Punaré”, devido a sua grande vitória contra os selvagens da Serra da Ibiapaba, perdeu o filho mais velho, de 18 anos, por inanição e dois dos mais novos, ao fugir da primeira seca de que se tem notícia no Estado (entre os anos de 1604 e 1605). [5]
O segundo,fundador da colônia cearense, por sua vez, imortalizou-se devido aos seus feitos na Guerra Holandesa e na lenda romântica “Iracema”, de José de Alencar.
Ambos – e muitos outros como João Correia Arnaud, João Mendes Lobato e Domingos Afonso do Sobrado – foram bandeirantes que tiveram sua glória eternizada ao integrar essa região (Nordeste), e em especial o estado (na época capitania) cearense, ao maior de todos os Estados, que é o Brasil.
Todos sofreram e lutaram por essa terra, talvez mais até do que os bandeirantes de outros estados, pois tiveram de lutar não somente contra os índios selvagens, mas contra um inimigo maior, invisível e invencível: o clima.
Isso criou naqueles homens o que viria forjar todo o povo subsequente:
“Enquanto outas regiões do Brasil se orgulham de feitos antigos ou de riquezas modernas a glória do Nordeste é como a dos santos e dos mártires, feita de provações e dores. Tempera-se o aço no fogo e na bigorna. Assim se forjam as almas e os corpos dos que por ali nascem. Todo o destemor, toda a resignação e toda a atividade dos filhos dos Estados nordestinos vêm do seu sofrimento secular.” – Gustavo Barroso. (A Margem da História do Ceará”, Vol. I, 1962, p.13, Livro publicado postumamente).

Entretanto, independentemente do grupo de bandeirantes, sejam os do Norte, ou os do Sul todos integram o corpo da tradição da Pátria Brasileira. Esta, que é uma das responsáveis por dar aos povos o ânimo de que necessitam para enfrentar suas adversidades.
Não pode o Brasil fugir desse ritmo, procurando suas inspirações sociais e seus credos políticos em outros países…
“Ele deve bebê-los nas lições de sua própria história, no seu sentimento cristão e na sua tradição de unidade nacional (…) Assim, ele há de libertar-se dos que o escravizaram ao ouro internacional e dos que, com esse ouro, há mais de cem anos o exploram, o manietam e o arrastam em pós o seu carro de triunfo, gozando o que custou o suor de seus sertanejos, o sangue de seus soldados e as lágrimas dos seus pobres” [6]
A obra dos bandeirantes é um exemplo imortal, e como tal:
“estamos na obrigação de fazer do imenso território, conquistado por esses homens valentes, uma Nação forte e respeitada. Do contrário, não seremos dignos de tanto sacrifício e o nosso nome será amaldiçoado pelo futuro. Muitos ignorantes e maus falam às vezes em separar pedaços do Brasil, para fazer naçõezinhas fracas, feias, egoístas. Esses estão renegando a herança de honra dos bandeirantes. Pois só existe um meio de honrarmos a memória de homens tão corajosos e que tanto se sacrificaram. Esse meio é trabalharmos para que o Brasil seja uma Nação unida, poderosa, bela, respeitada no mundo e jamais subordinada a uma nação estrangeira” [7]
Um outro ponto relevante a se apontar foi o fato de terem eternizado o sangue português nessas terras. Eis aqui uma grande diferença com o que houve na colônia da Nova Inglaterra. Enquanto nesta houve aniquilamento do sangue nativo, nesta houve uma mistura que ainda hoje faz-se sentir em relevante parcela da população brasileira, muito embora sejamos mais de 200 milhões de habitantes em um território continental. Uma nação é mais do que a sua língua nativa, embora esta seja de suma importância, como dito acima, mas também pela correlação sanguínea entre seus compatriotas.
Todavia, a conquista da terra por si só não seria suficiente para herdar toda essa imensidão territorial. Para preservar este imenso patrimônio herdado, fora necessário o trabalho dos jesuítas, como já mencionado anteriormente. [8]
É imensamente triste saber que nossos livros de história da pátria resumem-se a episódios estagnados, sem nenhum entusiasmo em sua explicação, retirando todo o interesse dos jovens pelo que mais há de belo neste mundo, ou seja, a diversidade que faz cada um dos povos serem o que são.
A pátria não se resume, como dito em outra parte deste capítulo, a pedaços de terras, mas corresponde a cultura e sangue que faz-se sentir naquela região e no povo que a habita.
Desta forma, o Brasil há de ser eterno, enquanto houver um traço de brasilidade no mundo, pouco importando onde estejamos, mas tão somente que lutamos em preservar em nós o que é melhor de nós mesmos: nossa identidade enquanto povo.
Não importa onde estejamos, enquanto preservarmos isso, o Brasil viverá.
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